terça-feira, 31 de agosto de 2010

A CLAQUE




Thomas Carlyle , em A História da Revolução Francesa, conta sobre os claqueurs, 270 pessoas que Luís XVI tinha contratado, em 1792, depois da frustrada tentativa de fuga que terminou em Varennes e de seu aprisionamento nas Tulherias. Eram pessoas pagas para aplaudir o rei sempre que ele saía para alguma pequena volta. Estava preso, mas podia dar essas pequenas saídas, desde que não fosse além dos muros de Paris. Fico imaginando o casal real dando alguns passos até onde fosse possível e aquelas pessoas gritando “Vive le Roi!”, “Vive le Reine!” – e vaiados pelos jacobinos.

     Pois no domingo passado, 29 de agosto, eu estava em casa aí pelas seis da tarde quando comecei a ouvir buzinas, apitos e similares. Pensei que tinha havido um Ba-Guá o clássico de futebol de Bagé, e que o meu time, o Bagé, teria perdido de novo, porque as buzinas vinham do lado do estádio do Guarani e o Bagé anda tão mal das pernas que, no último Ba-Guá, quando perdemos por 2x0 para o “tradicional adversário”, a única coisa que pude responder no dia seguinte, quando um torcedor do Guarani veio me cornetear, foi: “Pois é, o Bagé tá tão ruim que até perdeu pro Guarani!” - o que deixou ele meio desconcertado, pois esperava uma outra reação. E não deixa de ser verdade a triste situação dos nossos clubes, que há muito tempo estão na 2ª divisão, sem condições de subir. Restringiram-se a “celeiros” de jogadores para os times mais fortes, e quando surge um jogador um pouquinho melhor imediatamente é vendido. E os clubes de futebol profissional daqui vivem da possibilidade e do sonho. Ouvi falar de casos de jogadores da várzea que foram convidados para treinar no Bagé ou no Guarani e recusaram, porque não teriam futuro.

     Mas tinha me enganado: não acontecera nenhum Ba-Guá. Espiei pelas janelas e não vi cores de times, mas cartazes de candidatos colados em carros, e um grupo que gritava e tocava tambores - até com certo ritmo. Pensei: “Contrataram algum bloco carnavalesco...“ Buzinas, carnaval e foguetes = política atual. Só poderiam ter contratado. De sã consciência, ninguém, hoje em dia, sai gritando, atirando foguetes e buzinando alegremente por qualquer candidato que seja. E todo candidato tem a sua claque pronta para fingir alegria para aqueles que, como eu, ficam olhando. Parece que acreditam que o barulho faz votos.

     E o pior é que faz. Tem gente que espera a época das eleições para ver quem faz mais barulho para decidir o seu voto, ou para ser contratado para algum serviço que diga respeito à campanha de algum candidato, não interessa qual, desde que pague... Não será por mera coincidência que os candidatos que gastarem mais provavelmente serão eleitos. E não se pode culpar o povo por vender o seu voto. Este é um país de muita miséria e extrema desigualdade social. Época de eleições é o momento de ganhar algum dinheiro a mais.

     Também por isso, período de eleições no Brasil é o momento em que a democracia é mais fraudada.

     Não há como chamar de democracia um sistema em que alguns candidatos gastam milhões – investindo em marqueteiros, pesquisa monitorada e todo o tipo de propaganda induzida – e os outros candidatos mal tem condições de fazer a sua propaganda. Não é democracia: é plutocracia, o governo dos ricos.

     Não pode ser democracia quando o espaço na televisão para alguns candidatos é quase irrestrito e para os outros é quase inexistente. E não adianta dizerem que tem uma lei que prevê isso, porque com certeza é uma lei injusta.

     Democracia para quem? Apenas para um pequeno grupo que já detêm o poder ou para o outro grupo que já o teve nas mãos. Os dois grupos defendendo o mesmo sistema, com unhas e dentes e, com unhas e dentes – e bastante repressão – farão de tudo para que nada seja mudado.

     Eleger Dilma ou Serra é a mesma coisa.

     Dilma é o continuísmo do lulismo, que se vendeu às multinacionais, entregou o campo aos grandes fazendeiros e empresas de cultivo, incentivando o plantio de sementes transgênicas e a derrubada das matas nativas para plantar pasto.

     O lulismo da construção de grandes barragens, como a de Belo Monte, para ganhar dinheiro com a exportação de energia, destruindo o ecossistema e expulsando o povo das suas terras.

     O lulismo da repressão aos trabalhadores sem terra e sem teto; o lulismo da repressão ao povo miserável das favelas, que transformou o exército em polícia e a polícia em exército de assassinos sem lei.

     O lulismo da corrupção consentida no Congresso, da proteção aos grandes banqueiros e ao capital internacional.

     O lulismo que promoveu a invasão ao Haiti e a lidera, oficialmente; o lulismo que fez um espúrio tratado militar com a matriz do império e que defende a política intervencionista dos Estados Unidos na América Latina.

     O lulismo hipócrita da verborragia demagógica.

     E Serra é tudo isso e mais o golpismo.

     Dilma e Serra são como “Plano A” e “Plano B”. Ambos tem o apoio da mídia, que joga para os dois lados. Os dois lados de uma mesma moeda, de um mesmo plano maquiavélico para o Brasil.

     Marina não chega a ser um “Plano C” – é uma caricatura de oposição. Traz para o seu lado os descontentes, a elite paisagística dos intelectuais que se reúnem no fim de tarde nos bares do Rio – ou nos bares de qualquer outra cidade do Brasil – e querem votar “verde” porque está na moda e é bonito. Sem ideologia alguma.

     Os outros seis candidatos são abafados totalmente pela mídia antidemocrática e pelo antidemocrático sistema eleitoral.

     A razão é que alguns deles são perigosos para o sistema; tem outras idéias e até propostas ideológicas que poderiam levar o povo a pensar. E tudo o que o sistema – através dos seus mentores – não quer é que o povo pense.

     Futebol, carnaval e programas de televisão é a receita para evitar pensamentos e idéias próprias. Sexo e drogas também. Os cinco sentidos devem ficar satisfeitos para que a mente não funcione. É uma receita que garante o voto nos candidatos indicados pela mídia, mesmo que subliminarmente. E que garante que tudo que a mídia disser seja aceito por você - se você não pensar, se não usar aquele filtro, se não procurar saber mais, além do que lhe é oferecido.

     Por falar nisso, você já pensou de onde vem os milhões que os candidatos do sistema anunciaram que estão gastando nesta campanha eleitoral?

     Marina anunciou que gastará um máximo de 90 milhões de reais; Serra anunciou um gasto provável de 180 milhões de reais e Dilma estima a sua campanha em 157 milhões de reais.

     Quem dá todo este dinheiro a eles? E com qual objetivo? Com certeza não são os respectivos partidos. Alguém gasta a fundo perdido para ter o seu retorno depois, quando um deles for eleito Presidente e os outros obtiverem cargos de confiança no governo do eleito. Quem pode gastar tanto assim com campanhas eleitorais? Pense. Pensar faz bem.

     Acrescente a esse pensamento o fato de que, no Brasil, apenas 15% da população pode ser considerada alfabetizada. Segundo dados do IBOPE, de 2005, 75% da população brasileira é formada por pessoas que não sabem ler e escrever ou por analfabetos funcionais. Somente 7% são totalmente analfabetos. Os demais 68% são pessoas que sabem ler e escrever, mas não possuem o domínio pleno da leitura, da escrita ou das operações matemáticas. Ou seja, não sabem interpretar o que lêem, tem pouca capacidade de compreensão.

     É para esses 75% da nossa população que as barulhentas campanhas eleitorais são feitas; para eles a propaganda é dirigida; é neles que se baseiam as esperanças dos candidatos para se elegerem. Porque sabem que a ilusão faz parte das campanhas eleitorais em países como o nosso, composto de pessoas com mentes subdesenvolvidas.

     E esta é uma das razões principais para o nosso sistema de ensino ser um dos piores do mundo: há grande interesse para que continue assim.

     Enquanto isto, as tediosas campanhas eleitorais na televisão, nas rádios e em todos os lugares. Por mais que a claque grite e toque tambores e atire foguetes nas passeatas, os candidatos não tem nada a dizer, porque são desprovidos de qualquer ideologia, de qualquer proposta mais séria. São o reflexo do sistema que os produziu – amorfos, mas vorazes.

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