quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O BRASIL DELES


Estava assistindo Internacional e Botafogo, um daqueles jogos terrivelmente ruins do nosso medíocre futebol brasileiro, onde um time não ataca e o outro também não e o pobre do narrador faz o possível para que os ouvintes e sofridos telespectadores acreditem que o jogo é entre grandes times e o triste do comentarista não sabe o que comentar e quando surge o único gol o atacante é incensado como grande craque e o gol é gritado histericamente com 84 “os” depois da palavra mágica que faz os brasileiros acordarem de vez em quando...

     ... Estava assistindo aquilo, ou meio dormindo e quase ouvindo e vendo quando fui completamente despertado por uma daquelas janelinhas interativas que é hábito nos canais de televisão globais, onde o torcedor aparece fazendo perguntas ou diluindo-se em exclamações e um torcedor do Internacional disse que estava briosamente torcendo pelo seu time do coração e tomando um mate gaudério(1).

     Era noite profunda na República do Rio Grande de São Pedro. Tudo indicava que iria chover e depois fazer um friozito(2) carioca(3) de dez ou quinze graus. Tudo normal. O Internacional vencia, o meu Grêmio tinha levado uma goleada – conforme o esperado, depois que Odone e Roth se uniram – e os quero-queros queroqueravam nos lugares planos do pampa(4). E o narrador comentou com o comentarista e o comentarista concordou com o narrador que a expressão “mate gaudério”, ou “chimarrão gaudério” deveria ser um mate fraco e eu pensei ó meu Brasil perdido entre cariocas e paulistas!

     Será que a culpa é do MEC e da sua novilíngua? Das marchas pela maconha? Dos ministros que são acusados de corrupção? Será que a culpa é da faxina da Dilma?

     O fato é que a língua oficiosa do Brasil é o carioquês misturado com o paulistês e que tudo aquilo que esses canais de televisão querem que entendamos como cultura brasileira, na verdade é a cultura (?) daquele eixo endinheirado que manda no nosso país. E como aquela cultura é uma subcultura, completamente aculturada pela também subcultura norte-americana, eles passam para o nosso povo um país Rio-São Paulo que nem cultura tem.

     Ou tem. Uma cultura que vem sendo engendrada há muito tempo, através das novelas e outros rituais televisivos, porque os donos do Brasil sabem que a televisão é que realmente educa o nosso povo. Ou deseduca.

     E esse deseducar implica em fazer o povo pensar que o nortista é um povo esfarrapado, que vive em barcas e é tão preguiçoso como o autor de “Macunaíma”(5) deu a entender; que o nordestino é um povo ignorante, que a cada três palavras diz “oxente” e vive sedento; que a região central do Brasil existe apenas para cultura de transgênicos e criação de gado, além de Brasília orquestrando tudo. E que no Sul, Paraná e Santa Catarina são os celeiros do Brasil, onde se planta de tudo e se fala, principalmente, alemão. E aqui no Rio Grande, essa cultura paulistês-carioquês informa o resto do Brasil que vivemos com lenços vermelhos amarrados no pescoço, de bombachas e botas e falando algumas palavras muito estranhas – como gaudério e milonga(6).

     Lembram da história da milonga? Se não lembram, eu lembro. Já faz anos, mas ficou eterna. Um daqueles célebres especialistas em futebol, às vésperas de um jogo importante entre um dos times deles e um time da Argentina, descobriu que a palavra milonga existia e intuiu ou lhe disseram que “milonga” era uma maneira de ser dos argentinos, um jeito entre traiçoeiro e malandro e que o time argentino iria empregar essa tal de milonga contra os brasileiros.

     No mínimo, engraçado, mas típico da subcultura que querem nos passar, da maneira como pretendem domar o povo brasileiro, fazendo-o acreditar que o bom mesmo é Rio de Janeiro e São Paulo e que o resto do Brasil deve apenas admirar e servir tão ricos e sábios senhores.

     Da mesma forma o “gaudério”. Quando aquele rapaz colorado disse para todo o Brasil que estava torcendo pelo seu time enquanto tomava um chimarrão gaudério, logo os globais intuíram ou inventaram que mate gaudério deveria ser um mate mais fraco. E o resto do Brasil que não é gaúcho acreditou.

     E assim vamos. Com ou sem a ajuda do já afamado MEC e da péssima educação brasileira, os donos da televisão brasileira seguem deseducando o nosso povo. Ou o povo deles.

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1. Gaudério - forte, másculo, gaúcho.
2. Friozito - friozinho; quase frio de verdade.
3. Friozito carioca - expressão usada no Rio Grande do Sul para designar uma temperatura amena, de 10 a 15 graus centígrados.
4. Pampa - região pastoril de planícies com coxilhas.
5. Autor de Macunaíma – Mario de Andrade.
6. Milonga - é um estilo de música tradicional muito tocada em vários países da América do Sul, assim como no Rio Grande do Sul.

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