Durante o período que foi convencionado chamar “anos de chumbo” da ditadura militar, os estudantes sentiam-se livres dentro das universidades. Uma universidade é uma república independente, que possui outras repúblicas dentro dela: os alojamentos dos alunos as salas de aula, a reitoria...
Estudei em Santa Maria e participei do movimento estudantil nos anos ’70, na cidade mais policiada e militarizada do Rio Grande do Sul. Lutávamos contra a vigência do decreto-lei 447 – que permitia a repressão ante qualquer tentativa de crítica política no interior das escolas e universidades - e contra o decreto-lei 228 – que impedia a politização e participação de eleições livres em diretórios acadêmicos.
Éramos vigiados, fotografados, intimidados, ameaçados, colocavam escutas em todos os lugares. Eventualmente alguns eram presos. Sabíamos dos “estudantes” infiltrados nos cursos e salas de aula com o único objetivo de vigiar os demais estudantes e fazíamos deles “amigos” que levávamos para beber cerveja e os deixávamos embriagados e desmoralizados, gritando vivas ao Che Guevara até que fossem recolhidos pelos seus amigos policiais. E tinham que ser substituídos.
O estudante mais suspeito era aquele que falava em revolução ou em Che Guevara. Invariavelmente – com a exceção dos muito ingênuos – eram agentes da polícia em busca de informações. Informações que nem entre nós trocávamos.
Se não podíamos espalhar panfletos do tipo “abaixo a ditadura”, fazíamos quase inofensivos jornais de aula – paginados em máquinas de escrever e mimeografados – onde os colegas ficavam sabendo quem estava namorando com quem e outras fofocas do gênero e, entre as fofocas, alguns toques como “votar em branco nas eleições espúrias e manipuladas do DCE ajuda a sua consciência a ficar em paz” – sob o título “COMO CHEGAR AO NIRVANA”.
A repressão ostensiva era a cara do sistema, mas não era só a repressão. Tínhamos que lutar também contra a alienação promovida pelo governo que conseguia convencer os mais acomodados que ‘estudante é para estudar’. E essa era a luta mais difícil, porque a maioria costuma ter afeição irrestrita por diplomas e títulos. Talvez um hábito ancestral do nosso país.
Também estudávamos muito e queríamos os nossos diplomas, mas acreditávamos que a participação política faz o cidadão desde a universidade. Ou antes.
Quando nos sentíamos demasiadamente oprimidos, íamos para algum lugar do campus, de preferência para a Casa do Estudante. Ali podíamos respirar. E conversar. Conversar baixo, com uma música ao lado para atrapalhar as escutas.
Outra possibilidade era buscar o refúgio do padre Clarindo, que estava sempre com o salão da igreja aberto para quem necessitava de apoio espiritual e material.
Apesar de todo esse jogo entre sistema e alunos do movimento estudantil, entre a ditadura e estudantes, nunca tivemos o campus invadido, militarizado.
Nunca algo como o que está acontecendo na USP ocorreu em Santa Maria da Boca do Monte. Talvez tenha acontecido em outras universidades brasileiras, porque foram os estudantes que derrubaram aquela ditadura – com o apoio fingido de políticos apodrecidos e de um operariado quase omisso, como o de hoje, manipulado por centrais sindicais.
Mas estudantes se formam, a vida política do país é aparentemente normalizada, civis alcançam o poder e passam a agir com o apoio dos militares; favelas são invadidas, opositores de verdade são assassinados, ou ameaçados de tal forma que precisam deixar o país, marginaliza-se a pobreza, oferecem-se brinquedos eletrônicos para a massa da classe média, em troca de silêncio e passividade de rebanho, compram-se os líderes operários e os membros do Congresso, forjam-se eleições em urnas eletrônicas que garantem a vitória dos mais apreciados da mídia, entrega-se a base de Alcântara à NASA, barganha-se o território brasileiro, o desmatamento acelerado é parte da política do governo entreguista, a pornografia é oficializada e a destruição da língua portuguesa é uma das metas do MEC, usinas gigantescas são construídas para favorecerem o governo e um grupo de empresários, desagregando o ecossistema da Amazônia e desrespeitando os direitos das populações indígenas, o ensino e a saúde são colocados em último plano...
E as universidades são militarizadas, com o apoio dos estudantes aliados do sistema de agora.
Jamais os militares da ditadura imaginaram um entreguismo e um fascismo tão descarado.
Olá Fausto. Como procurei e não achei e-mail seu, o meu é joaobatistanascimento@yahoo.com.br. Realizo uma pesquisa que toca diretamente no tema ditadura & universidade púbblica e precisaria trocar alguns impressões.
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