terça-feira, 31 de janeiro de 2012

É UM JOGO?





É um jogo. Estamos todos febris. Olhos infantis nos olhos e as vidas nas mãos.
E os pés.
Quem tem pés para correr, para sobreviver no porão ou na mata?
Na mata? Não tem mata não tem mata, quem te mata, quem me mata, quem descobre o meu corpo escondido lá no fundo do mais fundo deste chão?

     Vai começar.
     É um jogo, não te assusta, não me assusta, não te encolhe, não me engole que eu te como, te devoro, é um jogo, só os ossos estão fora, tanta carne a partilhar, tanta bebida a beber, cadê a sorte?!
     Parece um trem.
     Mas não se deve tremer, por que se deve temer? É um jogo. Quantos pelos tem um gato acabado de nascer? Quem tem pelos, quem tem pulgas, quem tem pó, quem tem pureza? Quem se esconde na certeza? Ou na beleza? Ou na esperteza? Quem vai por a minha mesa? Quem tem medo da tristeza?
     É um jogo, é um logro. Ganho boi, quero boiada, quero vida na mordida, quero amor, quero amada, quero suco de goiaba – me dá teu sangue?
     Já é tanta a madrugada... Quem dá cartas? Olha as marcas!
    É um jogo, só um jogo, quero mais, quero bem mais, quero quero quero quero – me dá teu corpo? Por um pouco, só um pouco, um pouco instante de louco.
     É um jogo, é um bobo quem se joga assim no fogo. Estás com sono?
     Olha o sol e suas chamas! Um asteróide que passa, vuuufff!, quase me pega! Pedra louca... Será o fim do mundo? Qual é a próxima guerra? Outro ministro que cai, e o dinheiro pra onde vai? É um jogo? É um logro? É coisa de louco bobo? Quem tem fome? Quem tem sede? Quem insiste a reclamar? Olha a polícia!
     Olha o jogo a se jogar.
    Estão voltando. Deputados, senadores, secretários, faladores, vem chegando o carnaval. Fala sério, quem é sério no país do futebol? Deixa ficar, Brasil é assim, todo mundo engambela, tá na hora da novela, será que ele fica com ela?
     Olha o jogo, olha o lobo, olha o leão, olha o pato: a multidão. Quem tem goela grita gol, mas não foge da panela. Que panela? Olha o campo, olha o estádio, olha o juiz que ladrão! Deixa de olhar, vai dormir. Talvez um sonho feliz... Talvez a fada madrinha apareça como atriz... Ou meretriz. Só no jogo, só no sonho, só na noite entristecida. Queres vida?
     É um jogo. Quem te morde quer a pele, quer a carne, quer a alma e a solidão. Cadê teu chão? É um jogo ser mendigo ou é ficar de castigo? Talvez uma religião... te console, te enrole, te dê o infinito na mão.
     É um jogo.

      Ou não é. 
     Há dúvidas e discordâncias. 
     Pode ser uma visão. 
     Talvez um disco voador, um anjo na contramão, um pedaço de esperança, a que resta, lá no fundo, tão fundo que ninguém vê. 
     Pode ser até um ET vindo pra salvar a Terra, resgatar a Natureza da fome da motosserra, como arca de Noé.

     Metratron, Esganatron, Pluratron, Magnotron, todos os trons piedosos, Super-Homem e outros supers – tantas canalizações! Batman, Homem-Aranha, e no Brasil Super-Silva, o protetor das florestas, a divindade que resta, depois que o Saci-Pererê queimou o pé e fugiu num redemoinho gigante, ninguém sabe para onde.

     Para onde vai o povo que não tem terra nem teto, nem ternura nem afeto, nem Natal nem dia santo, que corre do próprio espanto de transformar-se em espantalho, em bóia-fria, em escravo, em um estorvo agrário?

     Povo de tantos padrinhos, padrinhos que viram padres, padres que fazem seu ninho no mistério do sacrário e se escondem em palavras quando surge a fumaceira.

     É um jogo ou não é quando juram a bandeira os que invadem favelas?

     Talvez reste a romaria, rezar tanto pra essa deusa ou pro deus que vem um dia... Ou é antropofogia. Macunaímas não sabem como comer ambrosia.

     Traz o santo padroeiro, traz a virgem Madalena, traz a santa Mega-Sena – quem me tira do atoleiro? Quem manda ser brasileiro?

     Meu Deus, chegou o fim do mês! Que beleza! Que tristeza!! Vai começar de novo... É um jogo. É um jogo?

Um comentário:

  1. A vida só é um jogo pra quem tem o principal dela garantido para sobrevivência. Então o resto , ou seja, o que dizem ser viver, passa a ser um jogo. Enfim, a vida é como os sentidos sentem.

    Costa

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