Encontrei seu Chico naquela tarde, dois dias depois do Ano Novo, sentado em um daqueles ridículos e desconfortáveis bancos de praça, que tinham substituído os bancos de cimento e concreto – uma das tradições da cidade - depois que um daqueles prefeitos de fora tinha decidido “revitalizar” as praças, o que significou destruí-las.
- O que está fazendo, seu Chico?
- Senta, vivente, e aperta os cinco. Agora me diz: é necessário fazer alguma coisa quando se está sentado em um banco de uma ex-praça? O que eu estou fazendo é olhando para o nada e lembrando que esta cidade já foi nossa. E o nada é esses canteiros pelados de grama, essa pobre gente que passa pra lá e pra cá, meio desnorteada, como galinha ciscando na mormaceira.
- Dá uma tristeza ver a cidade assim, abandonada, seu Chico. Mas diz que nas vilas tem muitos...
- Muitos buracos, eu sei.
- Eu ia dizer canos, seu Chico. Esses canos de bueiro. Parece que eles estão querendo fazer alguma coisa.
- Quatro anos depois de eleitos eles sempre querem fazer alguma coisa. Os canos estão lá, mas a sujeira está correndo do lado. Quando chegar maio, junho, quase nas vésperas das eleições, eles vão começar a se mexer, contratar uma equipe de televisão para mostrar que fizeram isso e aquilo e estão fazendo ainda mais... E o que me entristece é que o pobre do povo – sempre em troca de alguma coisa, porque muito bobo o povo não é – vai cair de novo na mesma esparrela e votar neles. E depois nem podem se queixar.
- Eu vou votar nulo, seu Chico. Cansei!
- Pois eu não! Eu vou me insurgir.
- Como assim, seu Chico?
- Pois o “como” é que é... Ainda não sei como, mas estava pensando naquele tal de Robin Hood... Que tal assaltar o assaltante? Vou ganhar cem anos de perdão!
- Me explica melhor, seu Chico.
- Olha, não que eu necessite, porque ainda não me roubaram tudo; tu sabes que o governo rouba um pouco cada ano, é assim que eles enchem o saco deles e bancam o Papai Noel para o eleitorado. Já pensei em várias maneiras de insurgência.
- Quais são, seu Chico?
- Fazer guerrilha não dá. Vá que eles me prendam e, depois de alguns anos de amizade, eu acabo Presidente e fazendo exatamente o que eles querem... Esse tipo de guerrilha é pra bobo morrer ou pra muito esperto enriquecer. E eu não me julgo tão esperto assim e nem desejoso de ficar rico à custa dos outros...
- Mas então, seu Chico?!
- Então eu lembrei de assaltar um ministro, desses bem corruptos. Seria uma bela insurgência, não seria?
- O senhor assaltando, seu Chico?
- Quem havéra de ver, não é? Depois de velho, virar assaltante. E por isso eu vim aqui para esta praça.
- Mas aqui não passa ministro, seu Chico. Nem que o senhor espere cem anos.
- Até pode ser que não, mas eu julgo que secretário de prefeitura deve passar, o que já é alguma coisa.
- Que nada, seu Chico! Secretário de prefeitura, assim que vira secretário, a primeira coisa que faz é comprar um carro. E mesmo quando anda a pé, pode deixar que estará cercado de guarda-costas. Eles tem um baita medo do povo!
- Que nem o prefeito, assim que se elegeu – aquele de fora?
- A mesma coisa, seu Chico.
- Antes de se eleger, andava em mangas de camisa, tomava cafezinho nos quiosques, conversava como gente... Mas bastou saber o resultado das eleições para se engravatar e se entrincheirar na Prefeitura. Dizem que até entra e sai de carro pelo portão de trás, mas antes coloca alguns atiradores de plantão nos telhados das casas vizinhas e se cerca de quinze mil guarda-costas. Que medo que ele tem!
- Talvez ele saiba das suas intenções de bancar o Robin Hood, seu Chico.
- Vai ver que é. Mas eu acho que não sou o único com vontade de assaltar esses qüeras. Tem um monte de gente honesta com o mesmo desejo.
- E, se desse, como o senhor iria assaltar, seu Chico?
- Pois, se possível fosse, eu chegava, botava o dedo no nariz dele e dizia: “Por favor, considere-se assaltado, este dedo é uma arma assassina”.
- E será que ia dar certo, seu Chico?
- Mas bá! Ele ia se ajoelhar na mesma hora, pedindo perdão pelos pecados e entregando o dinheiro.
- Mas essa gente não carrega dinheiro, seu Chico. Só cartão de crédito.
- Mas não é que eu não pensei nisso?! Que gente mesquinha!... Mas quem sabe ele não é daqueles que gosta de carregar maços de notas nos bolsos? Sempre há uma possibilidade...
- E se for, seu Chico?
- Se for, assalto o dito cujo – que, a essas alturas, deverá estar chorando e clamando pela sua mãezinha – e jogo o dinheiro nas ruas, no meio da gente mais pobre. Vai ser uma festa!
- Seria bom demais, seu Chico. Mas acho que nem com o dedo assassino o senhor conseguiria assaltar o cara.
- Mas por quê?
- Porque eu ouvi falar que aquela cara dele não é dele, é uma máscara que o protege de dedos assassinos. Além disso, ele usa um colete a prova de balas.
- Pois eu levava a máscara e o colete. Já seria alguma coisa. Depois fazia um leilão e dava o dinheiro pro povo.
- Mas e os guarda-costas? O senhor seria preso e torturado.
- Pois é isso que me intimida. Não por medo de ser preso, e muito menos de ser torturado, mas pela conseqüência. O senhor sabe que essas prisões e essas torturas sempre provocam alterações nas pessoas. Em alguns cresce o nariz, em outros a barba, mas todos ficam demagogos e chefes de quadrilhas. E isso eu não queria. Queria só um assaltinho de desforra...
- Coisa pouca, seu Chico.
- Coisa pouca, coisa de insurgente. Só para dar o exemplo.
- Mas não seria um mau exemplo?
- Aqui nesta terra? Eu ia virar santo!
S.Chico e suas insurgências contra as autoridades das cidadezinhas de nosso Brasil afora. É sempre o mesmo repeteco. Será que não poderiam variar um pouco? Valeu!
ResponderExcluirLidia.