segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O PREFEITO E O CARNAVAL




O Prefeito estava em seu gabinete, depois de muito visitar as vilas da cidade, inaugurando tudo o que podia, até poço artesiano, e chegara muito cansado, pedindo um cafezinho, um chimarrão, um copo d’água, uma massagem, um escalda-pés, uma conversa amiga, um consolo, e o secretário reclamou:

     - Companheiro prefeito, sinto muito, um consolo só no Dia de São Nunca, que é santo muito milagreiro, mas posso providenciar qualquer outra coisa dessas que o companheiro citou. Ou quer todas ao mesmo tempo?

     - Companheiro secretário, para que eu preciso de um secretário?

     - Deve ser para guardar os seus segredos, companheiro prefeito. Para que mais seria?

     - E entre os meus segredos, um consolo significa alguma coisa obscena ou algum malfeito, companheiro secretário?

     - Desculpe, companheiro prefeito, é que nunca se sabe...

     - Você é que nunca sabe, companheiro secretário. Os meus pés estão cansados, a minha vista turvada, o meu coração acelerado como o PAC, depois de tantas visitas à plebe ignara, que votará em mim porque entende, em sua santa ignorância – que Deus a abençoe - o quanto eu sofro por ela, e peço um consolo, que significa algo que me tire dessa turbação espiritual e o companheiro me vem com piadinhas sobre São Nunca, um santo da minha devoção!...

     - Perdão, companheiro prefeito... tome aqui um cafezinho... Mas quanto à massagem... Ainda quer um escalda-pés?

     - Não é mais necessário. Escaldarei meus pés quando chegar em casa, na companhia da minha companheira, no meu aprisco, na solidão dos meus pensamentos, no aconchego das minhas revistas de figurinhas, colhendo as impressões do dia no meu diário secreto, assistindo ao BBB...

     - Sublime! companheiro prefeito. É justamente o que eu faço quando chego em casa. Aprisco não é para ovelhas, companheiro prefeito?

     - É como eu me sinto às vezes, companheiro secretário: uma ovelha abandonada no meio de feras famintas.

     - Que pena, companheiro prefeito! Não sabia que o companheiro tinha todo esse complexo.

     - É que o companheiro não entende o âmago do meu ser... Dê-me os alfarrábios prefeiturais.

     - Aqui estão, companheiro prefeito. O primeiro item da pauta é o carnaval.

     - Carnaval! Sempre carnaval! Por que será que nesta época só se fala em carnaval? Associações burlescas, carnavalescas, extravagantes, grotescas, folianescas pedindo verbas e gente se queixando do carnaval de rua. Como solucionar essa equação?

     - Eu não sou muito bom de matemática, companheiro prefeito.

     - O povo precisa gritar e cantar, mas os lojistas se queixam de que o carnaval de rua é perigoso, as pessoas de bem não querem ir para a rua durante o carnaval, com medo de assaltos. Mas o povo precisa pular, agitar-se, acreditar que tudo é festa, gastar a sua energia... Mas vejo um pedido da Associação de Impolutos Negociantes, a AIN, pedindo para acabar com o carnaval de rua. E agora?

     - Agora, é tirar o carnaval de rua das ruas, companheiro prefeito. No máximo, empurrá-lo para um cantinho de uma ou duas quadras bem escondidas e bem policiadas, com arquibancadas na volta e o povo pensará que aquilo é carnaval de rua.

     - Genial, querido companheiro secretário.

     - Controle-se, companheiro prefeito. Por favor!

     - Foi só uma efusão pré-carnavalesca, companheiro secretário. Olhe: outro pedido para extinguir o carnaval de rua. Um pedido drástico da PROFABEM, que pede o fim, inclusive, dos bailes nos clubes. Eles tem medo do que chamam de chinelagem.

     - A chinelagem é um grande problema, não só em nossa cidade, mas em todo o país, companheiro prefeito. Mas o que é PROFABEM?

     - É uma associação misteriosa, secreta, discreta e inquieta, formada pelas Probas Famílias de Bem. Gente que usa sapatos novos todos os dias. Por isso eles não gostam dos que usam chinelos e querem o fim do carnaval. Dizem que, no máximo, um carnaval bem longe da cidade, onde só possam participar aqueles que tem carros do ano e muito dinheiro - junto com seus fâmulos, guarda-costas e agregados – e onde não seja permitido o terrível cheiro de povo.

     - Sentirão cheiro de vaca, companheiro prefeito. Bem longe da cidade não seria na campanha?

     - Na campanha... Já sei! O castelo das Grandes Cuias. Recentemente foi tombado e se transformou em atração turística. Pintores pintaram afrescos em suas paredes, escultores esculpiram náiades e sátiros nos belos jardins, todos os dias pessoas pertencentes ao PROFABEM vão até lá para admirar a arte que só a eles pertence. E tem um grande salão. Que tal, companheiro secretário, um carnaval no castelo das Grandes Cuias só pra eles. E pra mim, é claro! Imagine um carnaval fora de época naquele belo lugar, para que o povo nem desconfie...

     - Perfeito, companheiro prefeito! Mas não venha com efusões pré-carnavalescas... Assim, mansinho, mansinho... Pronto!

     - Calma, companheiro secretário?! Foi apenas um entusiasmo passageiro. Aff!, cansei de tanto resolver problemas. Agora sim caía bem uma massagem.

     - Uma massagem, companheiro prefeito?

     - No ego, somente no ego, companheiro secretário. Diga que eu sou um gênio.

     - Gênio!, companheiro prefeito. Gênio!

     - Agora deixe ver o meu extrato bancário. Ah, como isso é bom!... Muito bom!

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