sábado, 28 de julho de 2012

CAROLINA




Já faz alguns dias que Carolina desapareceu. Estava forte, sadia, com o pelo lindo. Gostava de tomar café com leite junto comigo, sempre que eu vinha para o escritório. Depois pedia colo. Aninhava-se, enrodilhava-se, faceira, e dormia o sono dos anjos ou dos gatos. Quando batia sol, de tarde, costumava ir para a sua cadeira na sacada. Nos dias frios, visitava as outras peças da casa, brincava com Fidel, o nosso outro gato – menor, mas com a mesma idade e muito esperto. Às vezes brigavam, mas logo faziam as pazes e Fidel a convidava para comer ração no seu prato. Em seguida, sentia o maior prazer em deitar na nossa cama de casal e dormir. Sono que Fidel espreitava, louco por mais uma brincadeira, mas respeitava.

     Era extremamente dócil e amorosa. Uma das almas puras da casa, que era o seu mundo. Nunca subiu para o telhado; jamais pulou da sacada. À vezes, por aventura, ia até a sacada do vizinho, conjugada à nossa, e voltava com paninhos e pequenas coisinhas com as quais brincava, feliz. Certa vez, trouxe uma minúscula bonequinha. Avisamos. Não fazia falta.

     Seus olhos eram fundos e expressivos. Preta, com alguns pelos amarelados. Suave, como só as gatas mansas sabem ser suaves. Puro amor.

     Demos pela falta no domingo de manhã, 22 de julho. Percebemos que ela não tinha dormido no seu lugar preferido, porque estava arrumado como no dia anterior. Chamamos, falamos com a vizinhança, até ligamos para os telefones do Núcleo Bageense de Proteção ao Animais, mas estavam todos ocupados. Enviei e-mails para o NBPA. Não foram respondidos.

     Nos últimos dias tenho vasculhado os arredores, sempre com esperança, mas os dias vão passando e a esperança também. Carolina sumiu.

     Não é o primeiro gato que perdemos. Há cerca de sete anos atrás, vários gatos nossos, que estavam na sacada, foram envenenados. Ninguém sabe, ninguém viu. Outro gato, que se acostumara a andar pelos telhados e entrou no sótão de uma casa próxima foi envenenado pela dona da casa. Quando o procurávamos, outro vizinho disse que não vira o nosso gato, mas, se tivesse visto o teria matado.

     Esta é uma cidade em que determinadas pessoas acham natural matar animais. Domésticos ou não. Conheço algumas delas: sérias, com curso superior. Encaram a vida como uma luta – principalmente contra os demais. Para elas, bichos de qualquer espécie são seres inferiores, que devem ser tratados como escravos ou, se incomodarem, matar é o melhor remédio. Acostumaram-se à insensibilidade. É para esse tipo de gente as propagandas de produtos desnecessários, que procuram logo obter. Respeitam a ordem estabelecida e não criticam nada – são as vítimas inconscientes da globalização robotizada. Ou conscientes e acomodados autômatos. Não pensam por si mesmos, porque se acostumaram a não pensar. Para eles, as informações chegam, devidamente pasteurizadas, através de jornais, revistas e programas de televisão. Absorvem e aceitam tudo.

     A maioria deles tem cães. Cães de raça, treinados para defender as casas dos donos. Com o tempo, talvez até adquiram algum carinho pelos seus cães. Mas um carinho com limites. Entendem que gatos são seres inferiores a cães, porque não são úteis, não defendem ou atacam, são independentes. E isso irrita muito essas pessoas: a independência. Ao mais das vezes, pertencem a associações de auxílio mútuo, travestidas de assistencialismo, porque necessitam muito unir seus medos.

     Matam. Pessoas assim matam. Covardemente. Matam por medo, matam por raiva, por um momento de irritação. Matam por qualquer motivo. Por isso eu temo por Carolina.

     Já faz quase uma semana; semana de sofrimento e expectativa de um milagre. Eu acredito em milagres.

     Eu sei que Carolina está viva, talvez em outro plano, mas viva. Mas não merecia a morte física que supostos humanos e seus cães provavelmente provocaram.

     Nada tenho contra os cachorros. Inclusive, Lidia costuma juntar restos de comida em um saco plástico para deixar em um canteiro próximo para os cachorros sem dono, os marginalizados, proibidos de procriar por ONGs especializadas em castração. Mas detesto os esnobes, acostumados à raiva dos seus donos, de quem copiam os tiques e manias.

     Alguns dirão: um gato! Por que não escreve sobre coisas mais importantes? Há coisa mais importante do que a pureza?

     Ainda esperamos Carolina. Sempre vamos esperar Carolina.

     Estava forte, sadia, com o pelo lindo. Gostava de tomar café com leite junto comigo, sempre que eu vinha para o escritório. Depois pedia colo. Aninhava-se, enrodilhava-se, faceira, e dormia o sono dos anjos ou dos gatos. Faz uma falta imensa.

     Quais dentre os loucos que se acreditam perfeitos como deuses decidiram que ela devia morrer?

3 comentários:

  1. Carolina era isso e muito mais. Como esquecer sua mansidão, sua pureza e seus carinhosos abraços? Difícil não tê-la em seu puro amor. Que Deus a abençoe onde estiver.
    Lidia.

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  2. Duro de ler, mal posso imaginar a dor de vocês.Não consigo entender qual é o misterioso motivo de algumas pessoas não gostarem de animais, nossos pequenos irmãos, como disse São Francisco de Assis.Duro, triste, eu e minha família também amamos animais.Certa vez, um cachorro meu, Dog, sumiu. Reencontrei-o 3 ou 4 semanas depois, em um domingo quando pela manhã, me dirigia ao brique da redenção. Ele, Dog, tava anadando, humildemente, atrás de um catador de papel, mas quando eu o chamei...ele me reconheçeu!!! Foi uma da maiores emoções de minha vida, eu chorei, ele chorou!! Corremos fazendo algazarra, de volta para casa na Avenida Princesa, em um dos domingos mais malucos e felizes de minha vida.Isso foi em 1998, acho. Paro por aqui, meus olhos já se encontram marejados...Deus abençoe vocês e que tenham a graça de Deus de reencontrar Carolina, como eu reencontrei Dog.Abraços, Paulo

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  3. Ah amigo, to vendo q vc nem é de São Paulo,então a gatinha que vi em Campo Limpo mãe da minha gata que peguei lá não é sua gatinha... Mas olha, fiquei muito triste porque a minha é idêntica a ela, por isso entrei no seu blog pq não acreditei... e é tão dócil quanto ela.

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