segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

SEU CHICO E O JOAQUIM



Seu Chico estava lendo jornais e revistas quando eu cheguei. Ofereceu um mate, apontou para os jornais e disse que o nosso jornalismo marrom está em fase de evolução.

     - Veja o senhor que agora não é somente marrom. Tem o verde-oliva, o rosinha esmaecido e o branco.

     - O branco?

     - O branco é o nosso, aqui dos pagos. Nada diz e se disser muito menos dirá. Sobrevive de releases e de matérias protelatórias – só pra usar a palavra da moda.

     - Mas tem gente boa aqui, seu Chico.

     - Claro que tem, eu não estou é lembrando os nomes, no momento. Deve ser a idade... Sabe como é, a memória fica um pouco enfraquecida.

     - O que são matérias protelatórias?

   - Protelatórias ou insinuativas. Aquelas que insinuam uma notícia, sem completá-la. O senhor deve saber que o jornalista deveria ser um profissional que informa. Pois as matérias protelatórias insinuam que talvez algo em algum lugar tenha acontecido. Isso acontece muito em rádio. Por exemplo, se alguém está sendo investigado ou foi preso e pertence a alguma daquelas profissões de intocáveis eles não informam quem foi e com isso colocam sob suspeita todos os profissionais da área.

     - Quem sabe o curso de jornalismo agora tem uma nova matéria que ensina a insinuar e não a informar, seu Chico?

     - Pois andei pensando nessa possibilidade e não a descarto, desde que descobri que tem jornalista que vive de boato e de achismo. Vão pra rua, que já está virando universidade, e perguntam pros amigos passantes o que acham disso ou daquilo. E depois fazem um belo programa de achismos. Às vezes, os ouvintes telefonam dando as suas opiniões e até informando os jornalistas.

     - Talvez seja um novo tipo de programa, seu Chico, onde os jornalistas são os ouvintes e vice-versa.

     - E tem aquelas rádios que vivem de informação em cadeia.

     - O que é isso, seu Chico? Alguma coisa relacionada com o Zé Dirceu?

     - Até pode ser. Elas só informam em cadeia com outras rádios. Preguiça de fazer jornalismo em plena era da Internet. Ou só contratam gente pra programa musical. O senhor sabe quanto ganha um jornalista formado, aqui?

     - Depende. Com exceção dos amigos de deputados, deve ser muito pouco.

     - Nada é impossível nesta terra. Já ouvi dizer que o prefeito vai tirar férias e passar o governo municipal para o povo...

     - Mas isto seria inédito e maravilhoso!

     - Brincadeirinha! Isto é achismo. Acha que ele iria largar o bem bom? Até nas férias fica analisando as futuras licitações, as fichas dos secretários...

     - O senhor quase me pegou.

     - Pois é nesses ‘quase’ que anda o nosso jornalismo. O jornalismo investigativo acabou. Penso que, de tanto investigarem, os nossos jornalistas investigativos sumiram junto com as informações.

     - Mas tem os colunistas sociais, as colunas culturais...

     - Pois esses são os salvadores da pátria! Investigam tudo! Mas, além deles...

     - Protelações?

     - Ao meu modo de ver. Por falar nisso, os mensaleiros condenados continuam soltos. O Joaquim Barbosa resolveu aceitar todos os recursos protelatórios dos advogados de defesa, que irão protelando, protelando, até o momento em que o STF decidir que os mensaleiros devem ficar presos somente entre as grades das fronteiras do Brasil.

     - Grades muito firmes, não é seu Chico?

     - Mas bah! Só passa contrabando combinado com antecipação. Isso me lembrou de um antigo amigo, também chamado Joaquim. Era alto, forte, voz grossa e costumava dizer que com ele ninguém podia.

     - Daqueles...

     - Pois é, daqueles. E sendo daqueles, um dia surgiu um desentendimento feio com outro sujeito que não era nem alto, nem forte, nem falava grosso e nem tinha razão e disse pro Joaquim que iria esperá-lo na esquina para “conversarem”.

     - Pobre do cara!...

     - Ficou famoso. O Joaquim não foi. Protelou. Disse que seria muito prevalecimento bater num qüera magrinho, ainda mais em época de Natal.

     - Era época de Natal?

     - Por coincidência.

     - E aí, seu Chico?

     - Até hoje. Passou um Natal, passou outro...

     - Na verdade, o seu amigo Joaquim deixou o cavalo passar encilhado.

     - É verdade... Mas não é mais meu amigo. Ficou sendo só conhecido.

     - E o nosso dinheiro, seu Chico? Fiquei sabendo que os mensaleiros não vão devolver nada.

     - Nem um centavo! Na hora de decidirem o principal do processo do Mensalão, que seria a devolução do dinheiro roubado, os juizes do STF engasgaram.

     - Engasgaram?

     - Foi um engasgamento e uma tossideira geral. Um dizia que não sabia como fazer, outro que muito menos, já um terceiro ficava perguntando aos céus se seria o caso de fazer um rateio entre os ladrões condenados e quando aquela palavra soou todos calaram.

     - Que palavra, seu Chico?

     - Rateio. Lembra aqueles bichinhos ladrões. Diz-que naquela hora todos ficaram se olhando sem jeito e em seguida preferiram encerrar a pauta. Agora virou jurisprudência: ladrão rico e importante pode ser condenado, mas não devolve o dinheiro nem é preso.

     - Quem sabe foi o tal de Espírito de Natal, seu Chico?

     - Pois este é um Espírito muito amigo da ladroagem, pelo visto. A não ser que os ministros do Supremo devolvam o dinheiro roubado dos bolsos deles e eu penso que o Espírito de Natal não chega a esse ponto.

     - E a imprensa não deu nenhum destaque para isso, que eu saiba.

    - É uma imprensa muito natalina. Mas o diacho é que eu fico procurando alguma notícia nestes jornais com letra miudinha e me informam que o comércio está vendendo muito. O contrário é que seria uma grande notícia. Também dizem que a cidade está muito bonita, com enfeites e coisa e tal. Fui ver. Parece carnaval, e deve ser esta a razão – vão deixar os enfeites até o Carnaval, que é um grande negócio para alguns. E não é a cidade, é só no centro. Tem até anjinho na praça que já foi de desportes e hoje é a praça da moto e daquela coisa côncava onde a gurizada fuma a sua maconha.

     - Este é um governo democrático, seu Chico. Construíram até o Maconhódromo. Primeiro arrancaram quase todas as árvores da praça e as que sobraram foram cercadas com pedras como quem diz “Não saiam daqui, não espalhem as suas raízes!”.

     - Pois não é? Tudo pela felicidade geral dos autômatos.

     - Por falar em auto, seu Chico, ouvi um radialista dizer que tem pedestre que não respeita os carros, provocando acidentes.

     - Deve ser daqueles pedestres que correm tanto que não tem tempo pra frear na frente dos pobres dos carros estressados. É um perigo isso de pedestre bater em carro. Depois tem que pagar o conserto da lataria. É tanto carro e moto que qualquer dia também tiram as calçadas.

     - Como diria uma amiga minha: “Quem te viu, quem te vê!”. Mas eu já viajei bastante e sei que esses fenômenos urbanos acontecem só por aqui. Santa Maria tem a Bozano, que é uma rua 24 horas. Para o pedestre, o cidadão. São Leopoldo fecha parte da Rua Grande nos fins de semana. E por aí vai. É uma questão cultural. Ou de ausência de cultura... O senhor se lembra que o prefeito falou muito em pavimentação durante a campanha eleitoral? E não lembro que ele tenha falado em ciclovias, aumento das calçadas, ruas 24 horas, respeito ao pedestre, calçadões... E muito menos em ecologia. E isso me recorda de um grande amigo, o Domingos, que era Secretário de Ecologia e quando fez o Calendário Ecológico foi corrido da Secretaria pelo ex-prefeito.

     - O que me leva a pensar, comparando as figuras, que o nosso atual prefeito não é um mau sujeito, mas me era mais simpático quanto tinha a sua Brasília amarela, parava pra conversar...

     - O poder transforma, seu Chico. Naquela época ele não era nem vereador.

     - E também transtorna, pelo visto. Mas nada está perdido, as coisas mudam... Veja que até o Calendário Maia, que terminou, estava certo.

     - Como certo, seu Chico, se nós estamos aqui conversando e o mundo não acabou?

     - Acaba. A continuar assim, acaba. Lhe digo que o Calendário Maia estava certo e foi mal interpretado. Referia-se ao pito que o Marco Maia deu no Joaquim Barbosa e no dia seguinte o famoso ministro do Supremo que já foi até lembrado para Presidente da República preferiu não mandar prender os mensaleiros. Protelou.

     - Como aquele seu amigo, o outro Joaquim.

     - Ex-amigo. Hoje é só um conhecido.

Um comentário:

  1. Ótima matéria! S.Chico e interlocutor continuam críticos e bem humorados, apesar de tudo. Feliz Natal, Blogueiro!

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