Eu
estava voltando de um passeio pela desfigurada Praça da Estação e resolvi
visitar o seu Chico que mora ali por perto. Encontrei-o feliz, alegre,
disposto, com cara de quem viu passarinho verde.
-
E vi mesmo! – foi logo confirmando. – Ou por outra: ouvi. E não era passarinho,
mas papagaio.
-
Não me diga que o senhor ouviu de novo o programa “O Marinheiro e o Papagaio”?
-
É a diversão dos sábados. O Marinheiro falava e o Papagaio ali, de um ombro
para o outro, imagino, só repetindo.
-
E sobre o que o Marinheiro falou desta vez?
-
Ciências ocultas. O Papagaio papagaiava muito e, por momentos, até parecia que
ria aquele riso fininho dos papagaios bem treinados. E eu mal entendi o que o
Marinheiro dizia. Fiz força pra adivinhar que eram coisas muito metafísicas.
-
Num programa radiofônico, seu Chico! Deviam proibir. Como é que o povo vai
entender?
- Ora, o povo... O senhor sabe que o
Marinheiro não é muito chegado no povo. Deve ser trauma de infância. E desde
que um certo juiz transformou os jornalistas em padeiros...
-
Estava tão ruim assim o programa?
-
Ao contrário. Muito divertido, quando se conseguia ouvir. Em determinado
momento, o Marinheiro inventou de dizer que não é reacionário. E o Papagaio
repetindo.
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Um papagaio muito bem ensinado, seu Chico. Deu um ótimo repetidor. Então o
Marinheiro não é reacionário? Será algum revolucionário desconhecido?
-
Não leva jeito. Mais provável que seja um
conservador esclarecido, primo-irmão dos antigos déspotas esclarecidos,
que eram esclarecidos mas continuavam déspotas. O senhor sabe que conservador é
aquele que ajuda a conservar a dor.
-
Pois é. Mas falando sério, seu Chico, o que será o conservadorismo? Uma espécie
de morte em vida?
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Ou de vida em morte, porque o conservador é aquele que considera que a vida
deve continuar assim como ela está – porque está boa pra ele. Por isso não olha
pros lados, para os demais. Apenas para si, para o seu grupo social, que
costuma ser uma casta muito bem organizada em torno de interesses materiais.
-
Mas é uma tristeza viver assim, seu Chico.
-
Para o conservador é uma alegria, mesmo que viva com medo. Qualquer sinal de
mudança na sociedade é uma tortura. Entenda que o conservador inevitavelmente é
uma pessoa que tem privilégios sociais e os cultua – por isso o medo. Medo de
perder os privilégios, de sofrer alguns estremecimentos na sua vida tão
petrificada.
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Fico imaginando como será o dia-a-dia do conservador...
-
Penso que é um noite-a-noite. Imagino que deverá ter uma grande preocupação com
a aparência, não somente física, mas dentro daquilo que ele entende como
sociedade, que é o grupo onde ele circula e considera como o único verdadeiro e
merecedor de todas as benesses. Preocupa-se com valores tradicionais, e quanto
mais tradicionais maior será a sua segurança interior. Deve pertencer a uma
religião que dê guarida a esses valores; uma família obediente, onde ninguém
pode criticar o previamente estabelecido; idéias imutáveis sobre o que é certo
e o que é errado; é guiado por agendas e horários, somente se sentindo bem
dentro do círculo conhecido. Enfim, um animal gregário, previsível e
sonambúlico.
-
Credo!, seu Chico... O coitado do conservador não tem alegrias na vida?
-
Muitas. A principal delas é a certeza diária de que a sua vida continua a mesma.
É claro que irá a festas programadas com antecedência e dirá as palavras
esperadas e decoradas no momento oportuno. Até se mostrará simpático, bonachão,
com prováveis sorrisos e gargalhadas para ditos e anedotas prováveis. Um boa
praça.
-
Isso me alivia, seu Chico. Não gosto de pessoas tristes, agarradas em bens
materiais. Mas, voltando ao Marinheiro e o Papagaio...
-
Pois o Marinheiro continua o mesmo, como bom conservador que é. Imutável dentro
do seu rancor contra o povo. E olhe só: contra o nosso povo conservador, movido
a pão e circo e seguindo líderes cada vez mais conservadores, quando não
abertamente corruptos.
-
É uma decepção, seu Chico. Logo pessoas que se diziam revolucionárias,
progressistas...
-
Chegaram ao poder e se bandearam; se entregaram pros homens na primeira
oportunidade e a grande revolução que querem fazer é a do futebol. Tornaram-se
conservadores e reacionários e dão o mau exemplo pro povo, que acaba pensando
que mudança é carnaval e se torna igualmente conservador, como aqueles que
elegeu e mitificou.
-
Não adianta, seu Chico. “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo” – como
diz o nosso hino. Breve teremos milhões de escravos iguais ao Marinheiro.
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E, como ele, pensando que mudança social é sinônimo de eleições, e eleições dentro
dos Estados Unidos, lugar onde ele seria, obviamente, do Partido Republicano.
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Mas não existe nenhuma diferença entre aqueles dois partidos dos Estados
Unidos. Ambos são imperialistas e demagógicos.
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Sem contar que é um país fascista. O Marinheiro sempre fala nos Estados Unidos
por força do hábito. É o seu ideal de país; gostaria de ter nascido lá. Os
outros países não existem para ele, a não ser aqueles que seguem o mesmo
modelo.
-
Até parece a nossa imprensa oficial, que dá notícias somente sobre alguns
países, e sempre os Estados Unidos em primeiro lugar: o Obama isto, o Obama
aquilo, a mulher do Obama, as filhas do Obama, a Dilma e o Obama...
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Pois o Marinheiro tá ficando igualzinho. Com o detalhe de que ele fala de
outros países que o incomodam. Cuba deveria afundar, Chávez só morto, Argentina
e Brasil de volta para os militares, e por aí vai... Repete tudo que a imprensa
conservadora e golpista escreve e diz.
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E o senhor ainda acha engraçado...
-
Mas não é engraçado ouvir uma pessoa tão viajada como o Marinheiro repetir as
mesmas palavras e as mesmas frases no mesmo dia da semana, à mesma hora? Às
vezes eu o confundo com o Papagaio. E olhe que ele é um causídico!
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Ele é advogado?
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Isso eu não sei, mas gosta muito de contar causos, sempre os mesmos. Se bem que
tem gente que afirma que ele anda com a Constituição embaixo do braço.
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Vai ver que ele é, seu Chico.
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Foram ver por mim. Não é a Constituição. Ele passa lendo uma compilação das
frases e discursos de Carlos Lacerda, General Figueiredo, General Emílio
Médici...
Esse S.Chico e interlocutor... Concordo com eles. Também ouvi o conservador e o papagaio no dito programa, e cada vez mais reacionarismo e absurdos. Haja paciência! Ótima matéria e análises sobre conservadorismo.
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