O
século XVIII foi a época do Iluminismo. Em 1748, Montesquieu lança “Do Espírito
das Leis”, propondo a divisão do governo em três poderes teoricamente
independentes; Rousseau escreve “Do Contrato Social”, alertando contra uma
humanidade desfigurada por leis que enjaulam o homem; Diderot, D’Alembert,
Voltaire e Montesquieu escrevem A Enciclopédia, que pretende resumir todo o
conhecimento humano até o momento, desafia os dogmas da Igreja e elogia
pensadores protestantes. Composta por 33 volumes, a maior parte escrita por
Diderot, A Enciclopédia exaltava as vitórias humanas em todos os terrenos,
inclusive descrevendo os instrumentos manuais tradicionais e os novos
dispositivos da Revolução Industrial da Inglaterra.
Por trás da razão, além e abaixo,
formavam-se outros grupos que se diziam iluministas, zombavam dos maçons
racionalistas e propunham a busca do que consideravam como a verdadeira iluminação.
O inventor, cientista e filósofo
Emanuel Swedenborg entrava em contato com seres superiores e revolucionava o
quieto esoterismo e a retilínea ciência com as suas descobertas e publicações, e
chegou a influenciar escritores como Jorge Luís Borges e William Blake e
filósofos como Immanuel Kant e Laplace. Em seu livro Principia enunciou a
teoria atômica, a origem solar da Terra e dos planetas, a teoria ondulatória da
luz e a hipótese nebular, apropriada mais tarde pelo astrônomo inglês Thomas
Wright. Criou o Rito de Swedenborg, que atraiu a muitos iluminados espiritualistas
e (até então) ateus maçons iluministas. Ao mesmo tempo, é tido por muitos como
o verdadeiro fundador da doutrina espírita, mais tarde codificada por H. L.
Denizard Rivail (Allan Kardec).
Martinez de Pasqually retomava a luta
estritamente mística, fundando o Martinezismo que, segundo Papus (pseudônimo do
médico e escritor Gerard Encausse), pretendia combater “os nefastos efeitos
desses pedantes de lojas, desses pseudo-veneráveis que, abandonando o caminho a
eles fixado pelos Superiores Desconhecidos quiseram tornar-se pólos no Universo
e substituir a ação do Cristo pelas suas e os conselhos do Invisível pelos
resultados dos escrutínios emanados da multidão”. Formavam-se grupos esotéricos,
em sua maior parte oriundos da maçonaria, mas descontentes com os rumos
políticos daquela ordem secreta.
Na linha de Pasqually e de Swedenborg
destacou-se o Martinismo, criado por Louis Claude de Saint-Martin, apelidado de
“Filósofo Desconhecido”, que escreveu mais de 100 cadernos de instruções e
pregava a iniciação individual. Junto a ele, Jean Baptiste de Willermoz, um dos
primeiros discípulos de Pasqually, além de uma gama seleta de intelectuais que
se consideravam os verdadeiros iluminados e se diziam rosacruzes, procurando
resgatar o cristianismo esotérico sem combater a Igreja mas, também, sem
considerá-la como única e verdadeira representante do Cristo. Não aceitavam os
maçons, a quem chamavam de “templários” que somente se preocupavam com a
vingança de Jacques De Molay e com a obsessão pelo poder material.
Surgiram diversas associações. Os
Iluminados de Avignon, organização esotérica fundada em 1766 por Dom Pernety; a
loja A Perfeita Amizade, de Lyon, fundada por Willermoz nos anos 1750; a Loja
dos Elus Cohen constituída por uma seleção entre os membros do Capítulo da
Águia Negra, que havia sido organizado em 1765, eram as principais lojas de
iluminados que pretendiam o contato direto com anjos ou seres evoluídos. Para
isso faziam seus exercícios ritualísticos, especialmente nos solstícios e
equinócios. E recebiam mensagens e canalizações.
Talvez com a exceção do Martinismo, a
maioria desses grupos foi posteriormente assimilada pela maçonaria. Não foi
surpresa quando, naquele meio místico-esotérico formado por grupos de
iluminados cristãos e iluministas ateus, surgiram os Illuminati, exatamente no dia
de Beltaine ou Walpurgis, também chamado de Dia das Bruxas.
Provavelmente acompanhado de mais seis
companheiros, assim como Loyola ao fundar a Companhia de Jesus, no dia 1º de
maio de 1776, o jesuíta Adam Weishaupt, líder dos Illuminati, começava o
contra-ataque contra a maçonaria usando a mesma arma dos maçons – a infiltração.
Só que, desta vez, dentro das sociedades secretas que acreditavam estar dominando
o papado e o mundo. Se os maçons gerenciavam a Igreja, a ideia era destruir a
Igreja e as monarquias que a sustentavam, por a nu os segredos maçônicos tão
conhecidos dos jesuítas e infiltrar a maçonaria através de um projeto de
dominação que atrairia para os Illuminati os seus principais mestres sequiosos
de poder.
Uma agenda a longo prazo, mas que
poderia ter alguns resultados imediatos no coração da Europa. O seu único e
principal defeito é que tratavam a História como linear, acreditando que
poderia ser traçada antecipadamente, prevista em detalhes os seus movimentos,
monitorados por uma elite intelectual que acreditava que as grandes massas
populares existiam para satisfazer os seus caprichos, desde que devidamente
manipuladas e orientadas no caminho desejado.
Os maçons, felizes com a momentânea
vitória sobre o Cristianismo e acreditando que o seu principal adversário – a
Companhia de Jesus - estava destruído ou fora de combate, deixaram-se infiltrar
facilmente por aqueles iluminados que se revelavam tão misteriosos e apontavam
novas possibilidades e portais esotéricos a ser desvendados. Além disso, na
França, os maçons diziam-se ateus e eram hostilizados pela Grande Loja da
Inglaterra, que tinha elegido um deus, chamado de Grande Arquiteto do Universo,
com a esperança de granjear maiores simpatias na corte e entre os banqueiros
burgueses sempre desejosos de um respaldo místico para as suas perfídias
econômicas.
Imagine-se a balbúrdia secreta. Todos
aqueles conventículos formados por pessoas que se acreditavam ímpares, ciosas
de seus segredos e ansiosas pelo contato com o Céu ou com o domínio da Terra,
ou ambos, em uma França onde reinava o triste Luiz XVI e onde aportavam grandes
magos como Cagliostro e o imortal Saint-Germain, com a sua indefectível chama
violeta. Lyon, a capital da magia, das missas negras e brancas, dos duelos
entre bruxos... Paris, com uma loja maçônica em cada esquina e com os senhores
burgueses exigindo o seu pedaço de poder. De início, um poder pacífico,
dividido com o soberano, mas, enfim, poder!
Naquele momento de ebulição das ideias
na egóica Europa que sempre se considerou o centro do mundo, maçons templários
e ateus, rosacruzes iluminados e cristãos, jesuítas permeando a todos de maneira
invisível, independência dos Estados Unidos promovida por maçons e reestruturação
do mundo ocidental em mascarados feudos, uma nova proposta, a princípio muito
secreta, começou a tomar forma e a
atrair nobres e burgueses de todas as facções: a sinarquia.
Desenvolvida oficialmente por
Saint-Yves d’Alveydre durante a segunda metade do século XIX como um sistema
mundial filosófico-político governado por sábios que dividiriam entre si o
poder judicial, econômico e espiritual, a proposta sinárquica já existia muito
antes do século XVIII de tantas luzes e era a razão da existência política de
maçons e jesuítas, ou templários divididos nesses grupos, antagônicos na
aparência.
Com a diferença de que além do purismo
de Saint-Yves d’Alveydre, que acreditava que a sinarquia tornaria o mundo mais
justo, os sinarquistas maçons (e jesuítas) não pretendiam fazer do mundo um
lugar de igualdade, mas a base de dominação de uma casta que, naturalmente,
teria eles, os donos das ciências secretas que provocariam as necessárias reformas
mundiais, como eleitos.
Para isso, seria necessário destruir o mundo conhecido e impor uma nova ordem a que chamaram de
democracia, baseando-se no termo ateniense, mas que jamais seria o governo do
povo, apesar das demagógicas eleições e da divisão do Estado em três poderes
que fingiam o fim do cego despotismo da nobreza ainda não esclarecida. Ao
contrário, o povo deveria ser usado para corroborar e “oficializar” a ascensão
das classes cada vez mais privilegiadas.
(Continua).
Muito bom! Ansioso pelas fontes.
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