quinta-feira, 28 de março de 2013

A GUERRA SECRETA (2) – ILUMINISMO E ILUMINADOS


O século XVIII foi a época do Iluminismo. Em 1748, Montesquieu lança “Do Espírito das Leis”, propondo a divisão do governo em três poderes teoricamente independentes; Rousseau escreve “Do Contrato Social”, alertando contra uma humanidade desfigurada por leis que enjaulam o homem; Diderot, D’Alembert, Voltaire e Montesquieu escrevem A Enciclopédia, que pretende resumir todo o conhecimento humano até o momento, desafia os dogmas da Igreja e elogia pensadores protestantes. Composta por 33 volumes, a maior parte escrita por Diderot, A Enciclopédia exaltava as vitórias humanas em todos os terrenos, inclusive descrevendo os instrumentos manuais tradicionais e os novos dispositivos da Revolução Industrial da Inglaterra.

   Por trás da razão, além e abaixo, formavam-se outros grupos que se diziam iluministas, zombavam dos maçons racionalistas e propunham a busca do que consideravam  como a verdadeira iluminação.

   O inventor, cientista e filósofo Emanuel Swedenborg entrava em contato com seres superiores e revolucionava o quieto esoterismo e a retilínea ciência com as suas descobertas e publicações, e chegou a influenciar escritores como Jorge Luís Borges e William Blake e filósofos como Immanuel Kant e Laplace. Em seu livro Principia enunciou a teoria atômica, a origem solar da Terra e dos planetas, a teoria ondulatória da luz e a hipótese nebular, apropriada mais tarde pelo astrônomo inglês Thomas Wright. Criou o Rito de Swedenborg, que atraiu a muitos iluminados espiritualistas e (até então) ateus maçons iluministas. Ao mesmo tempo, é tido por muitos como o verdadeiro fundador da doutrina espírita, mais tarde codificada por H. L. Denizard Rivail (Allan Kardec).

   Martinez de Pasqually retomava a luta estritamente mística, fundando o Martinezismo que, segundo Papus (pseudônimo do médico e escritor Gerard Encausse), pretendia combater “os nefastos efeitos desses pedantes de lojas, desses pseudo-veneráveis que, abandonando o caminho a eles fixado pelos Superiores Desconhecidos quiseram tornar-se pólos no Universo e substituir a ação do Cristo pelas suas e os conselhos do Invisível pelos resultados dos escrutínios emanados da multidão”. Formavam-se grupos esotéricos, em sua maior parte oriundos da maçonaria, mas descontentes com os rumos políticos daquela ordem secreta.

   Na linha de Pasqually e de Swedenborg destacou-se o Martinismo, criado por Louis Claude de Saint-Martin, apelidado de “Filósofo Desconhecido”, que escreveu mais de 100 cadernos de instruções e pregava a iniciação individual. Junto a ele, Jean Baptiste de Willermoz, um dos primeiros discípulos de Pasqually, além de uma gama seleta de intelectuais que se consideravam os verdadeiros iluminados e se diziam rosacruzes, procurando resgatar o cristianismo esotérico sem combater a Igreja mas, também, sem considerá-la como única e verdadeira representante do Cristo. Não aceitavam os maçons, a quem chamavam de “templários” que somente se preocupavam com a vingança de Jacques De Molay e com a obsessão pelo poder material.

   Surgiram diversas associações. Os Iluminados de Avignon, organização esotérica fundada em 1766 por Dom Pernety; a loja A Perfeita Amizade, de Lyon, fundada por Willermoz nos anos 1750; a Loja dos Elus Cohen constituída por uma seleção entre os membros do Capítulo da Águia Negra, que havia sido organizado em 1765, eram as principais lojas de iluminados que pretendiam o contato direto com anjos ou seres evoluídos. Para isso faziam seus exercícios ritualísticos, especialmente nos solstícios e equinócios. E recebiam mensagens e canalizações.

   Talvez com a exceção do Martinismo, a maioria desses grupos foi posteriormente assimilada pela maçonaria. Não foi surpresa quando, naquele meio místico-esotérico formado por grupos de iluminados cristãos e iluministas ateus, surgiram os Illuminati, exatamente no dia de Beltaine ou Walpurgis, também chamado de Dia das Bruxas.

 Provavelmente acompanhado de mais seis companheiros, assim como Loyola ao fundar a Companhia de Jesus, no dia 1º de maio de 1776, o jesuíta Adam Weishaupt, líder dos Illuminati, começava o contra-ataque contra a maçonaria usando a mesma arma dos maçons – a infiltração. Só que, desta vez, dentro das sociedades secretas que acreditavam estar dominando o papado e o mundo. Se os maçons gerenciavam a Igreja, a ideia era destruir a Igreja e as monarquias que a sustentavam, por a nu os segredos maçônicos tão conhecidos dos jesuítas e infiltrar a maçonaria através de um projeto de dominação que atrairia para os Illuminati os seus principais mestres sequiosos de poder.

   Uma agenda a longo prazo, mas que poderia ter alguns resultados imediatos no coração da Europa. O seu único e principal defeito é que tratavam a História como linear, acreditando que poderia ser traçada antecipadamente, prevista em detalhes os seus movimentos, monitorados por uma elite intelectual que acreditava que as grandes massas populares existiam para satisfazer os seus caprichos, desde que devidamente manipuladas e orientadas no caminho desejado.

   Os maçons, felizes com a momentânea vitória sobre o Cristianismo e acreditando que o seu principal adversário – a Companhia de Jesus - estava destruído ou fora de combate, deixaram-se infiltrar facilmente por aqueles iluminados que se revelavam tão misteriosos e apontavam novas possibilidades e portais esotéricos a ser desvendados. Além disso, na França, os maçons diziam-se ateus e eram hostilizados pela Grande Loja da Inglaterra, que tinha elegido um deus, chamado de Grande Arquiteto do Universo, com a esperança de granjear maiores simpatias na corte e entre os banqueiros burgueses sempre desejosos de um respaldo místico para as suas perfídias econômicas.

   Imagine-se a balbúrdia secreta. Todos aqueles conventículos formados por pessoas que se acreditavam ímpares, ciosas de seus segredos e ansiosas pelo contato com o Céu ou com o domínio da Terra, ou ambos, em uma França onde reinava o triste Luiz XVI e onde aportavam grandes magos como Cagliostro e o imortal Saint-Germain, com a sua indefectível chama violeta. Lyon, a capital da magia, das missas negras e brancas, dos duelos entre bruxos... Paris, com uma loja maçônica em cada esquina e com os senhores burgueses exigindo o seu pedaço de poder. De início, um poder pacífico, dividido com o soberano, mas, enfim, poder!

   Naquele momento de ebulição das ideias na egóica Europa que sempre se considerou o centro do mundo, maçons templários e ateus, rosacruzes iluminados e cristãos, jesuítas permeando a todos de maneira invisível, independência dos Estados Unidos promovida por maçons e reestruturação do mundo ocidental em mascarados feudos, uma nova proposta, a princípio muito secreta, começou a tomar forma e a atrair nobres e burgueses de todas as facções: a sinarquia.

   Desenvolvida oficialmente por Saint-Yves d’Alveydre durante a segunda metade do século XIX como um sistema mundial filosófico-político governado por sábios que dividiriam entre si o poder judicial, econômico e espiritual, a proposta sinárquica já existia muito antes do século XVIII de tantas luzes e era a razão da existência política de maçons e jesuítas, ou templários divididos nesses grupos, antagônicos na aparência.

   Com a diferença de que além do purismo de Saint-Yves d’Alveydre, que acreditava que a sinarquia tornaria o mundo mais justo, os sinarquistas maçons (e jesuítas) não pretendiam fazer do mundo um lugar de igualdade, mas a base de dominação de uma casta que, naturalmente, teria eles, os donos das ciências secretas que provocariam as necessárias reformas mundiais, como eleitos.

   Para isso, seria necessário destruir o mundo conhecido e impor uma nova ordem a que chamaram de democracia, baseando-se no termo ateniense, mas que jamais seria o governo do povo, apesar das demagógicas eleições e da divisão do Estado em três poderes que fingiam o fim do cego despotismo da nobreza ainda não esclarecida. Ao contrário, o povo deveria ser usado para corroborar e “oficializar” a ascensão das classes cada vez mais privilegiadas.


(Continua).

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