domingo, 21 de abril de 2013

SEU CHICO E A INCONFIDÊNCIA






- Seu Chico, o senhor pode me dizer se a Revolução Farroupilha é comemorada no Brasil, assim como a Inconfidência Mineira?

- Pra lhe dizer a verdade, eu não sei o que o Brasil iria comemorar lembrando a nossa revolução. Até hoje eles estão ressabiados. Além disso, não houve tratado de paz, só um armistício assinado entre o Canabarro e o Caxias. Neto, Bento Gonçalves e outros chefes revolucionários se negaram a assinar. E o senhor conhece a triste fama de Canabarro depois do massacre de Porongos.

- Significa que a guerra não terminou?

- Não só não terminou oficialmente como a República Riograndense foi reconhecida pelo Brasil que, na época, era imperial e depois trocou a guarda e o prenome. Confesso que hoje é uma república dominada inteiramente pelo estrangeiro, vivendo de canções que lembram antigas glórias, com um MTG que nasceu em 1966, na época braba da ditadura, muito pra lá de abrasileirado e com gente que veste pilchas só pra mostrar que tem fazenda – mas ainda república.

- Então é por isso que eles não comemoram.

- Comemoração só aqui nos pagos e de maneira mistificada, dando a entender que são águas passadas e que o bom mesmo é o Tchê Music e o rock gaudério.

- Isso é coisa de portoalegrense.

- Principalmente. Mas se deve perdoar os assim chamados metropolitanos. São muito chegados a qualquer aculturação. Não é por acaso que a capital sempre resistiu de armas na mão a todas as nossas revoluções. E olhe que foram três, se não me falha a memória: a Farroupilha, a de 1893 e a de 1923, quando se conseguiu alguma coisa. E essa alguma coisa redundou no Getúlio como Presidente do estado. Em 1930, ele resolveu invadir o Brasil pra tentar arrumar a bagunça que eles tinham feito, desmanchar as roubalheiras. Não adiantou. Aqueles não perdem o vício.

- E foi com a ajuda dos mineiros, seu Chico.

- Pois não é? Eles mandaram cartas de apoio. Até telefonemas e há quem diga que viu tropas mineiras guerreando, mas acho que foi em 1932 e por extrema necessidade, mas não tenho certeza. Um povo bom e quieto.

- Mas foi nessa quietude toda que eles fizeram a Inconfidência Mineira, festejada todos os anos.

- Que foi confidenciada. Sempre há um Canabarro nessas ocasiões. Veja você que eles tinham ótimas intenções. Mandaram confeccionar até uma bandeira com dizeres em latim em torno de um triângulo. Só se esqueceram de avisar o povo. O pobre do Tiradentes, que não era de família influente e foi o único que confessou foi enforcado e esquartejado. Os outros foram pro exílio lá nas colônias portuguesas, e não teríamos os melhores poemas de Tomás Antonio Gonzaga se não fosse assim. Há males que vem para bem, mas nem por isso o Tiradentes deixou de virar o único mártir.

- E deve ter sido uma revolução e tanto, seu Chico! Com todos esses festejos...

- Mas bah! Nem lhe conto! Reunião pra cá, reunião pra lá, bandeira, discursos empolgados nas Lojas, promessas de república e independência e, de repente, a traição e todos vão presos. E tudo isso em uma única cidade: Vila Rica, hoje Ouro Preto. Estive lá faz anos. Tem muitas igrejas e muito ouro dentro delas. Até passa a impressão que os padres daquela cidade não eram cristãos. Adoravam ouro.

- Só em uma cidade? Vai ver então que travaram muitos combates.

- Pra lhe falar a verdade, tiro mesmo eu não fiquei sabendo se houve algum. Vai ver que foram tiros silenciosos, combates na surdina. O senhor sabe que mineiro faz tudo em silêncio. Um povo quieto.

- Mas os revolucionários no exílio devem ter conspirado pela independência das colônias de Portugal.

- Devem. Não se sabe com certeza como foi. Uma vez revolucionário, sempre revolucionário e, na certa, eles fizeram muitas conspirações que não chegaram até nós. Em silêncio, porque mineiro não perde o hábito.

- Ainda bem, seu Chico. Já estava imaginando que eles tivessem ficado depressivos, mandando cartas de pedido de perdão...

- Não lhe digo que isso também não tenha ocorrido, mas como estratégia. Alguns eram advogados e sabiam escrever muito bem.

- Daqueles que se formavam na Faculdade de Coimbra?

- Os próprios.

- Enamorados por revoluções?

- Mas!... E olhe que deve ser por isto que falam tanto na tal de inconfidência, que deveria ser só de Vila Rica, pois até a história oficial sugere que o resto do povo mineiro não tinha a menor ideia da coisa.

- E com tanta revolução de verdade que deveria ser festejada, seu Chico!

- Sem falar nas nossas, que causam arrepios naquele povo do sudeste. Assim de relance eu lembro da Guerra dos Mascates, em Pernambuco; a Confederação do Equador, que durou um ano; a Cabanada, em Pernambuco e Alagoas, com três anos de luta; a Cabanagem, no Pará, que durou – veja só! – seis anos; a Sabinada, na Bahia, de 1837 a 1838; a Balaiada, no Maranhão, de 1838 a 1841, e por aí vai... Revoluções de verdade não faltaram. Às vezes eu fico pensando que o povo do norte e do nordeste junto com os gaúchos daria um belo país.

- Essas revoluções não são comemoradas, seu Chico?

- Talvez por lá onde aconteceram, e muito modestamente. O senhor sabe que o Brasil propagandeado é Rio-São Paulo-Minas. O resto não existe.

- Sem falar na Guerra Guarani, seu Chico. De 1751 a 1757.

- Oficialmente durante aqueles anos, porque os guaranis começaram a ser caçados pelos bandeirantes desde o início do século XVII, e foram sendo dizimados e escravizados quando as primeiras reduções ainda eram no Paraná. Fugiram como puderam para o Rio Grande, Uruguai, Argentina e, principalmente, Paraguai. Fundaram uma república que durou século e meio. Eram trinta cidades de dar inveja aos invasores. Tinham tudo em comum e eram muito bem organizados pelos padres jesuítas que não queriam ouro, mas cristãos.

- E a guerra?

- A guerra surgiu da necessidade de resistência depois do Tratado de Madri que uniu portugueses e espanhóis contra a República Guarani. Naquela época, os jesuítas estavam sendo expulsos de todos os lugares, devido ao ódio daqueles que governavam a Europa, e só das Missões foram corridos mais de seiscentos padres. Os índios se revoltaram e a guerra começou. As Missões foram arrasadas, mas depois de muita luta.

- E isto não se comemora, seu Chico. Foi uma grande saga.

- Que os historiadores oficiais querem esconder bem escondido, porque criaram o mito do bandeirante desbravador para encobrir o bandeirante escravocrata.

- A história da escravidão no Brasil só se refere aos negros. Passa ao largo a escravidão indígena.

- Que eles estão transformando, aos poucos, no negro cordato, que veio para o Brasil para ajudar no nosso desenvolvimento. A escravidão indígena foi combinada com genocídio. Quando acabaram os índios, escravizaram os negros. Mito é conosco mesmo. Ou com eles. Pois não existe o mito de que o brasileiro é bonzinho e pacato? E olha a quase guerra civil no Rio de Janeiro! Quer mais um mate?

- Aceito. E o Tiradentes?

- Pois é.

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