domingo, 3 de novembro de 2013

O TCHAM DO TCHÊ




- E então, seu Chico, foi ver o Tchê Garotos?

- Pois eu fiquei sabendo que estavam tocando num dos clubes, mas não me abalei até lá, porque eu gosto mesmo é de boa música gaúcha.

- Mas esse grupo não é de música gaúcha? Não é “Tchê”?

- Pra mim, isso está mais pra “Tcham” do que pra “Tchê”. O senhor já ouviu falar de música gaúcha com ritmo de frevo, axé, lambada, forró e outros que tais? Até respeito esses ritmos que refletem a cultura de outros povos, mas aqui na República Rio-Grandense – que devemos honrar – não se pode dizer que esses ritmos sejam nossos, muito pelo contrário.

- E a liberdade de expressão, seu Chico?

- Vai muito bem, obrigado. Atualmente, essa senhora anda vestindo só roupa importada, de preferência com estampas da bandeira dos Estados Unidos. Ou do time do Barcelona. E dançando maxixe com grupos carunchosos e malacaras auto-apelidados de “Tchê”.

- O que eu queria saber...

- Eu sei. Me desculpe o desabafo. E quanto à dona liberdade de expressão que fique amparando os seus “Tchês”, se assim o desejar, o que não me impede de usar a minha liberdade de consciência para repudiar a invasão alienígena na nossa cultura. Perceba que essa onda de “Tchê” isso e “Tchê” aquilo é mais uma das insistentes tentativas do modelo neo-liberal e globalizante ansioso pela diluição das culturas regionais em um único caldo malcheiroso a ser oferecido para as massas, que, por isso mesmo são massas. E não de graça! Tem muito dinheiro por trás de tudo isso. Grandes empresários, gravadoras...

- E muita propaganda, não é seu Chico?

- Se não fosse a propaganda eles não conseguiam sair da casca.

- Fiquei sabendo que até em CTGs eles andaram cantando.

- Apesar da proibição do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Devem existir CTGs que não são filiados ao MTG, mas os que são filiados...

- E por que o MTG proibiu esses grupos de se apresentarem nos CTGs?

- A razão é simples. CTG, ou Centro de Tradição Gaúcha deve preservar o que ainda resta da nossa cultura. É uma questão de resguardar as raízes ou morreremos enquanto nação. E essas bandas ou grupos de suposta música gaúcha, consciente ou inconscientemente são compostas por pessoas que desejam o lucro, o dinheiro fácil e entram na onda do sertanejo, que não tem nada do autêntico sertanejo, mas é uma cópia falsa da música country dos Estados Unidos; misturam o vaneirão com forró, com lambada, com maxixe, com o diabo-a-quatro e atraem uma gurizada desmiolada que quer mais é dançar, se sacudir, e pouco está se importando com cultura, raízes ou tradição. E o que acontece? Passam a usar guitarra elétrica, bateria e outros instrumentos completamente alheios à música gaúcha nos shows; desprezam as pilchas, a indumentária gaúcha e, pior ainda: fazem músicas com letras de péssima qualidade que nada dizem dos nossos pagos. Sabe qual é o apelido que a imprensa deu para esses grupos musicais?

- Qual?

- “Tchê Music”! Não é ridículo? Nem português conseguem falar. Por que não “Música Tchê”? Não. Tem que ser “Music”. Veja a que ponto de aculturação eles chegaram. E tudo isso induzido pela propaganda do eixo Rio de Janeiro - São Paulo - Minas Gerais que, por sua vez, está totalmente dominado pela cultura norte-americana. Quando um povo despreza a própria cultura, acaba adotando a cultura estrangeira predominante, e é o que está acontecendo com eles há muito tempo.

- E conosco também, seu Chico. Basta ligar em uma rádio FM para se ouvir música em inglês. É avassalador, e o povo engole tudo. Principalmente o nosso povo ignorante que tem como principal desejo visitar os Estados Unidos e nada sabe do Brasil, da América Latina e quase nada do Rio Grande do Sul. E com a Internet ficou ainda pior. Toda hora noticiam sobre o que entendem como “celebridades” e as pessoas, querendo ou não, acabam comentando se Justin Bieber bebeu ou se Lady Gaga gaguejou.

- Cabeças ocas! Quando as pessoas param de ler e de raciocinar, aceitam qualquer coisa que lhes botarem na cabeça. Viram robôs programados, massa de manobra, alvo de políticos e corruptos em geral – com o perdão da redundância.

- E tem mais, seu Chico: aos poucos eu fui me dando conta que tem muita gente que acredita que gaúcho só existe no Rio Grande do Sul.

- Santa ignorância! Como se fosse um produto do pampa. Ser gaúcho é mais um estado de espírito que se traduz em gosto pela liberdade, em altivez sem sobranceria ou arrogância. O sentimento de gauchismo, por assim dizer, vai muito além de fronteiras estabelecidas fisicamente. Mas, para essas pessoas, o senhor poderá informar que gaúchos são aqueles que moram nos três estados do sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Além disso, diga que existem gaúchos espalhados por todo o Brasil, que costumam se reunir em mais de 3.000 CTGs para cultuar as nossas tradições. Ainda mais: acrescente que gaúchos são os castelhanos, os platinos ou argentinos e até os paraguaios, e que esse sentimento de independência e força tem se espalhado pela América Latina. Toda vez que um país – como Venezuela, Bolívia e Equador, mais recentemente – declara novamente a sua independência, defende a sua cultura, tenta salvar a sua economia e imunizar a sua nação da asfixiante globalização estará agindo com verdadeira alma gaúcha, mesmo que não use a palavra. É claro que nas enciclopédias está escrito que gaúcho é o homem que vive no pampa, mas, na verdade, é muito mais que isso. E, mesmo assim, tem muita gente que pensa que ser gaúcho é andar pilchado, falar grosso e freqüentar CTG e rodeio.

- E não é, seu Chico?

- Isso é mais um estereótipo, um desvio cultural. Desde quando é necessário falar grosso para ser gaúcho? Ou vestir bombachas? Ou ir a festas campeiras? Isso é a moldura, mas não o conteúdo. No entanto, é necessário que existam os CTGs e o MTG para que essa moldura proteja o quadro. E é dentro dos CTGs que se conservam as tradições, que se educa a consciência das pessoas. Na verdade, são centros de educação cultural essenciais para abrigar e até para salvar e cultivar as nossas verdadeiras tradições.

- Há quem diga que isso é excesso de conservadorismo e até reacionarismo.

- Será que é conservadorismo proteger a plantação? É reacionarismo não aceitar a invasão da cultura estrangeira que, fatalmente, irá nos destruir enquanto nação? Se for assim, então sejamos reacionários e conservadores, porque a causa é justa. Mas aposto que esses que afirmam essas coisas não têm raízes e nem entendem o significado da palavra. E, com certeza, devem se achar muito radicais – veja só a contradição. Os povos só se sustentam enquanto conservam as suas características originais, mesmo que estas evoluam para novos patamares, mas sempre cuidando para que as origens não sejam esquecidas, apagadas, dispersas. E origem é sinônimo de raiz. Ser radical, antes de tudo é cuidar da essência primeira, da semente, da causa, da procedência. Em outras palavras: tratar com carinho a chama da pátria.

- E o “Tchê Music”?

- Tenho até pena dessa gurizada, resultado da era da ganância. Já ouvi falar de grupos que até fazem palhaçadas nos shows para atrair público. Não é de dar pena? Tudo por dinheiro. Tenho esperança de que seja somente um modismo passageiro. Os verdadeiros gaúchos não necessitam de espetáculos com canhões de luz colorida, guitarra elétrica, bateria e outras bugigangas. Em clubes populares, tudo bem. Em CTGs, é vergonhoso. O verdadeiro gaúcho se revela com o violão, o acordeom, a harpa missioneira o bumbo legüero, o violino, a rabeca e outros instrumentos clássicos da nossa terra. E se apresenta com simplicidade: letras bem feitas, música pujante e verdadeiro prazer em usar as pilchas. E não necessita de marca registrada em inglês.

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