domingo, 20 de abril de 2014

A REVOLTA DOS BICHOS CONTRA A PÁSCOA DO CHOCOLATE




O coelhinho da Páscoa estava passeando muito faceiro pela estrada além, seguido de várias coelhas amigas do Facebook, quando viu aproximar-se uma multidão: tamanduás, cães, gatos, cobras, lagartos, algumas das últimas onças, capivaras, cavalos, bois, incluindo os de presépio, ovelhas, aves e pássaros, um ou outro lobo-guará, quatis, mãos-peladas, guaxinins, representantes dos últimos veados – enfim, uma verdadeira fauna. Eram tantos que não conseguia distingui-los direito. 

   Aproximaram-se fazendo uma zoeira que vocês podem imaginar. Traziam faixas e cartazes que diziam: “Abaixo a Discriminação!”, “Por Uma Sociedade Mais Justa e Igualitária”, “Bichos Unidos Jamais Serão Vencidos!”. Quando viram o coelhinho, cercaram-no e começaram a gritar os slogans nas suas longas orelhas. As coelhinhas tietes estavam tremendo de medo. Mas o coelhinho, valente como só ele, perguntou:  

    - Afinal, o que está havendo? 

   Os bichos pararam para confabular e, depois de alguns segundos, um pato, um cágado e uma jaguatirica (a última), destacaram-se do grupo e entregaram para o coelhinho um papel, onde estava escrito: 

“Nós, abaixo-assinados, vimos por intermédio deste protestar contra a discriminação que todos os bichos sofrem no dia da Páscoa. Não é justo, neste dia, que somente o coelho seja lembrado como uma espécie de grande herói midiático devido aos ovos de chocolate que, supostamente, entrega para as crianças humanas. Até mesmo porque coelho não põe ovo e a maioria das crianças não recebe ovos de Páscoa. Além disso, sabemos que Páscoa significa ressurreição e não deveria ser uma festa consagrada à comilança de chocolates. Isto posto, exigimos: a) o fim da degradação da natureza; b) equiparação entre todos os bichos, porque a natureza foi feita para todos igualmente, preservando-se as necessárias diferenças de habitat, costumes e cultura.” Em seguida, as assinaturas, inclusive um longo e esquisito traço atribuído ao bicho-preguiça. 

   O coelhinho da Páscoa leu calmamente e depois respondeu:  

    - Meus amigos, não é culpa minha se fui escolhido como símbolo da Páscoa. Creiam que me sinto inclusive vexado por esta situação que gostaria de compartilhar com todos. Estou de pleno acordo com as reivindicações, que levarei para as fábricas de chocolate. 

    - Fábricas de chocolate! – exclamou uma avestruz. – Excesso de chocolate faz mal e provoca doenças. O senhor Coelho já viu algum bicho comer chocolate? Também queremos acabar com a Páscoa do chocolate. 

    - Ai, sem chocolate eu não consigo passar! – disse uma das coelhinhas. – É tão gostoso! 

   - Pois vai acabar gorda e doente – tornou a avestruz. – Além disso, vocês coelhinhas ainda não se deram conta de outra enorme discriminação? 

   - Qual? – perguntou a coelhinha que adorava chocolate. 

   - Ainda não perceberam que só o coelhinho da Páscoa é lembrado e que as coelhinhas sempre ficam em segundo plano? É o máximo do machismo! 

    - É mesmo!... – disse outra coelhinha, e logo todas as coelhinhas se mostraram indignadas e uma ou outra chegou a chamar o coelhinho da Páscoa de porco chauvinista, que se defendia dizendo que não era culpa dele, preferia até nem ser lembrado na Páscoa, desde que as coelhinhas não o deixassem – e vocês sabem o quanto coelhinhos gostam de coelhinhas. Estão sempre coelhando. 

   Naquele momento, uma das onças pegou o coelhinho pela palavra. 

    - Então, se o senhor Coelho realmente não deseja que o seu nome continue associado à Páscoa, assine junto a petição que encaminharemos para as autoridades competentes, incluindo as terríveis fábricas de chocolate. 

   O coelhinho, muito lampeiro, e sempre pensando em coelhar com as coelhinhas, assinou a petição, da qual foram tiradas muitas cópias que encarregaram as aves de distribuir para todos os humanos que se diziam responsáveis pelo mundo. 

    As petições chegaram, mas os donos do mundo, os donos das fábricas de chocolate, os donos de tudo e de todos, que se imaginam muito superiores, não deram a mínima e continuaram a fazer da Páscoa um dia dedicado aos lucros e não à ressurreição. Ainda por cima, apesar dos protestos de coelhinhos e coelhinhas e de todos os demais bichos, continuaram a estampar nos ovos de chocolate a figura estilizada do coelho, para que ele não reclamasse direitos autorais. 

    Desde aquele dia, todos os bichos – exceto os domésticos, que ainda acreditam que podem passar um pouco de pureza para as pessoas – não acreditaram mais nos humanos.

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